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Quão radical é a sua luta? Breves notas compartilhadas com Djonga, Maria Dolores Rodriguez e Sílvia Federici

  • Foto do escritor: Lab Rachadura
    Lab Rachadura
  • 1 de mai. de 2024
  • 4 min de leitura


I.


Como não se revoltar com o jogo, irmão?

Onde o primeiro lugar sobe no pódio dirigindo em contra mão

Nós só reclama por isso!

Me dê oportunidade igual que em qualquer ringue eu te deixo no chão

Minha decisão foi de passar o rodo, nega

Igual as mãe preta passa em suas casa desde cedo

Cultura imunda!

500 anos e cês ainda não aprenderam a limpar a própria bunda?


(Djonga em Luto 2 - com MC Black)



II.


PARA UM COMUNISTA NEGRO (de Maria Dolores Rodriguez)


o seu olhar mira

os seus próprios braços

e vê a força de trabalho

explorada


naquele encontro do

centro acadêmico,

disseram uma vez

que deveríamos

comemorar

a força revolucionária

que teria nos impulsionado

neste último século

e você ficou em silêncio

quando só mencionaram

homens

brancos

do

continente

europeu


não me interessa a revolução russa,

quando Palmares

é apenas uma

fantasmagoria

que

eles julgam

ser

um delírio

de um povo

caduco


pra quem diz

resistência

e não cita

o nome de

todas as mulheres

perdidas

nos corredores,

cozinhando,

passando e

dizendo “não”

em todas as casas de

todos os

revolucionários

que estampam as suas camisas


aquela autora branca disse que

o capitalismo só

foi possível

porque há a exploração

de uma condição

de mulher

forjada

na circunscrição

ao ambiente doméstico

responsável por

parir&cuidar&

lavar os pratos

enquanto os homens

faziam de si mesmos

o paradigma

o centro

enrustidos de

uma heterossexualidade

compulsória


o seu olhar mira

e não olha,

e embora

a sua mãe seja

preta,

você parece não

achar

nada de revolucionário

no modo

com que ela vive

nesses

56 anos

no subúrbio ferroviário,

o seu olhar, você inteiro,

parece acreditar

nas ausências

da sua teoria

revolucionária.





III.


Eles dizem que é amor.

Nós dizemos que é trabalho não remunerado.

Eles chamam de frigidez.

Nós chamamos de absenteísmo.

Todo aborto é um acidente de trabalho.

Tanto a homossexualidade quanto  a

heterossexualidade são condições de

trabalho... Mas a homossexualidade

é o controle da produção pelos

trabalhadores, não o fim do trabalho.

Mais sorrisos? Mais dinheiro. Nada será

de cura sem um sorriso. Neuroses,

suicídios, dessexualização: doenças

ocupacionais da dona de casa.


(Sílvia Federici em O ponto zero da revolução)





IV.



Os trabalhos doméstico e do cuidado são pautas que não saem das minhas pesquisas. Diria, aliás, que elas formam a grande base do que me interessa transformar socialmente, porque, enquanto não conseguirmos alterar a apropriação individual e coletiva dos trabalhos das mulheres (trabalho, corpo e tempo andam juntos), não será possível falar em uma sociedade igualitária.


Nos últimos anos acompanhamos diversas mudanças referentes ao cotidiano de mulheres negras, o que ganha um glow principalmente se analisarmos pela ótica neoliberal, mas se formos mais fundo, notaremos que, estruturalmente, as mulheres negras continuam sendo responsáveis pelo trabalho precarizado –  enquanto sofrem a tríplice discriminação, como nos ensinou Lélia Gonzalez.






“500 anos e cês ainda não aprenderam a limpar a própria bunda?” é a pergunta que Djonga faz em Luto 2 (com Black MC) e ela vem a minha cabeça sempre que me deparo com pessoas que, ainda hoje e mesmo com pautas feministas bem elaboradas, não se responsabilizam pela produção mínima da própria vida. Vocês também se afetam com isso?


Hoje, “dia do trabalhador”, acordei me perguntando: feriado para quem, não é mesmo? Em suas casas, as mulheres acordaram cedo para varrer a casa, lavar roupa e banheiro, na expectativa de um descanso mínimo depois do almoço. Depois de lavar a louça do almoço. Mas esse trabalho sequer é visto, sabemos. Os homens, em geral, jogaram, beberam, saíram para fortalecer as suas relações homossociais. Poderia trazer uma lista de leituras para pensarmos uma transformação social efetiva, mas, por ora, queria compartilhar contigo as produções intelectuais dessas três referências das minhas pesquisas, que, aliás, me acompanham no livro “Beije sua preta em praça pública”: da apropriação do corpo à apropriação do espaço (Edufba, 2024).


O poema de Maria Dolores Rodriguez, “Para um comunista negro”, a meu ver, sintetiza as dificuldades que encaramos nos movimentos sociais – ela delineia os pontos cegos (deles). Inclusive porque, entre feministas brancas e comunistas negros, continuamos sendo nós as invisíveis – ou supervisíveis, quando lhes interessa. Me sinto abraçada e fortalecida com esse poema, ao mesmo tempo que a esperança cambaleia. Está no livro Oblíqua Glosa (Segundo Selo, 2023).


O trecho de Silvia Federici está no livro “O ponto zero da revolução: Trabalho doméstico, reprodução e luta feminista”, referência urgente para quem quer entender os embaraços do trabalho doméstico. Na seção “Trabalho Oculto”, Federici diz assim:


Se começarmos olhando para nós mesmas, que, como mulheres, sabemos que o dia de trabalho para o capital não necessariamente resulta em pagamento, que não começa nem termina nos portões das fábricas, acabaremos redescobrindo a natureza e o escopo do próprio trabalho doméstico. Porque logo que levantamos a cabeça das meias que costuramos e das refeições que cozinhamos e contemplamos a totalidade da nossa jornada de trabalho vemos que, embora isso não resulte em um salário para nós mesmas, produzimos o produto mais precioso que existe no mercado capitalista: a força de trabalho. O trabalho doméstico é muito mais do que limpar a casa. É servir aos assalariados física, emocional e sexualmente, preparando-os para o trabalho dia após dia. É cuidar das nossas crianças – os trabalhadores do futuro -, amparando-as desde o nascimento e ao longo da vida escolar, garantindo que o seu desempenho esteja de acordo com o que é esperado pelo capitalismo. Isso significa que, por trás de toda fábrica, de toda escola, de todo escritório, de toda mina, há o trabalho oculto de milhões de mulheres que consomem sua vida e sua força em prol da força de trabalho que move essas fábricas, escolas, escritórios ou minas. (FEDERICI, Silvia. 2019)

Por ora, respondo que: se não olha par ao trabalho doméstico, sua pauta não é radical o suficiente.

 



Referências mencionadas:

Livro: Oblígua Glosa, de Maria Dolores Rodriguez. Editora: Segundo Selo, 2023.

Livro: O ponto zero da revolução: Trabalho doméstico, reprodução e luta feminista, de Silvia Federici. Editora Elefante, 2019.

Livro: Primavera para as rosas negras, coletânea de textos de Lélia Gonzalez, 2018.

Livro: "Beije sua preta em praça pública": da apropriação do corpo à apropriação do espaço, de Crislane Rosa. Editora: Edufba, 2024.

Música: Luto 2, de Black MC ft. Djonga.


Fotos da colagem: reprodução

 
 
 

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