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Questões para semear: quem define a liberdade?

  • Foto do escritor: Lab Rachadura
    Lab Rachadura
  • 16 de fev. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 13 de mai. de 2024



Lendo "A terra dá, a terra quer", de Antônio Bispo dos Santos, me chamou a atenção o convite para semear questões, para germinar as palavras. Pareceu descrever algo que há tempos me rondava, mas não havia se materializado na palavra. Você já sentiu isso? Foi a partir daí, e da finalização extasiástica da leitura, que me veio a questão: quem define a liberdade?


Numa perspectiva liberal, liberdade pode ser aquilo que se alcança através do consumo, da compra e da venda da própria força de trabalho. O livre arbítrio, por outro lado [nem tão outro lado assim], é uma expressão envolta de culpa entre religios_s. A liberdade de escolha, não raro, se restringe à opção por um produto ou outro na prateleira, diversas vezes se distanciando de qualquer senso de responsabilidade. Pensando nesses e em tantos outros caminhos, reuni aqui alguns apontamentos para refletirmos coletivamente, sem qualquer interesse de encerrar a questão, afinal, se tomarmos a liberdade como algo a se alcançar, a resposta se produzirá ao longo da nossa trilha.  


Questionando a liberdade, a primeira definição que me lembrei foi a de Nina Simone:





No vídeo, ela diz:


O que é liberdade pra mim? É a mesma coisa que é pra você, você me diz! [...] É apenas um sentimento. É apenas um sentimento. É como tentar explicar para alguém como é estar apaixonado. Como você vai explicar para qualquer pessoa que nunca esteve apaixonado como é se sentir apaixonado? Você não conseguiria mesmo que fosse para salvar sua vida. Você pode descrever coisas, mas você não tem como explicar. Mas você sabe o que é quando acontece. Isso que eu quero dizer com "livre". Houveram algumas vezes no palco em que eu realmente me senti livre, e isso é uma coisa incrível. Isso é realmente incrível, como todos... como... Eu te digo o que significa liberdade pra mim: Nenhum medo! Nenhum medo! Eu quero dizer realmente: nenhum medo! Se eu pudesse ter isso por metade da minha vida... nenhum medo! Esse é o jeito mais próximo que posso descrever, não é tudo, mas é algo, realmente... realmente se sente. Como um novo jeito de enxergar, um novo jeito de se enxergar algo.


Em seguida, busquei a definição do dicionário. Na referência da Oxford Languages, liberdade:



substantivo feminino [print]

1.

grau de independência legítimo que um cidadão, um povo ou uma nação elege como valor supremo, como ideal.

2.

conjunto de direitos reconhecidos ao indivíduo, isoladamente ou em grupo, em face da autoridade política e perante o Estado; poder que tem o cidadão de exercer a sua vontade dentro dos limites que lhe faculta a lei.

"l. religiosa"

 


Me colocando diante de um conceito que aponta para os direitos, retomei as minhas transcrições de trechos da aula com Muniz Sodré, no curso "Ler o Brasil", realizado pela Casa Sueli Carneiro. Ele diz:


Do ponta de vista da ética, liberdade não é apenas ausência de repressão. Liberdade não é apenas a ausência de coerção física. Liberdade não é apenas propriedade econômica de bens. Liberdade é potência, potência de ação política. Potência de participação social. Ou até potência de não ser nada disso, potência de não agir politicamente. Por que? Porque a não-ação é também potência. Por isso a frase do [Luiz] Gama: “a liberdade de ser infeliz, onde e como queira”.

Me recordei, então, do que Beatriz Nascimento relata no documentário Orí, para falar sobre encaminhamentos e interdições da libertação negra:


“...a memória são os conteúdos de um continente, da sua vida, da sua história, do seu passado. Como se o corpo fosse o documento. Não é a toa que a dança para o negro é um fundamento de libertação... ... O homem negro não pode ser liberto, enquanto ele não esquecer o cativeiro, não esquecer no gesto, que ele não é mais um cativo.”


Mas o que diferencia libertação e liberdade?


No “Dicionário da Escravidão Negra no Brasil”, Clovis Moura não traz o conceito de liberdade, mas define “libertos”:


“Também chamados impropriamente de escravos libertos (há uma contradição lógica e histórica nessa definição), eram aqueles escravos que conseguiam cartas de alforria ou carta de liberdade (V.). Eram considerados livres, mas não gozavam de uma série de direitos como os cidadãos sem passado escravo. Em certas regiões do Brasil, como na Bahia, os libertos constituíam uma camada relativamente ativa da população, conseguindo acumular bens e fazer testamento. No entanto, se do ponto de vista econômico tinham essa liberdade, do ponto de vista político a sua cidadania era limitada pela Constituição do Império, no seu título IV, artigo 94 e parágrafo 2º e 3º “Os libertos não podem ser eleitos deputados nem senadores à Assembleia Nacional e não têm voto nas eleições, bem como os estrangeiros naturalizados e os brasileiros não católicos”. [MOURA, p. 242]


Busquei, depois de um tempo, o significado no Dicionário Gramsciano. Rocco Lacorte traz o seguinte:


“A questão da “liberdade” está estreitamente entrelaçada com o estatuto do humano e da natureza humana, já que fixar tal conceito equivale, para G. [Gramsci], a questionar-se sobre “o que o homem pode se tornar”, se pode “controlar seu próprio destino” e “qual é a importância que tem sua vontade e sua concreta atividade na criação de si mesmo e da sua vida” (...). O homem é, portanto, “história”, porque transforma a necessidade em liberdade. E a história é história enquanto é luta pela liberdade: “Liberdade [...] significa [...] ‘movimento’, desenvolvimento, dialética [...]. A história é linerdade enquanto é luta entre liberdade e autoridade, entre revolução e conservação”.” [Liberdade – Dicionário Gramsciano, LIGUORI & VOZA, 2017, p 466]

De Gramsci e do cárcere, lembrei de uma música muito cantada por pessoas em privação de liberdade na Bahia, uma clássica de Edson Gomes, de nome "Liberdade":






Vamos, levante lute

Vamos, levante ajude

Vamos, levante grite

Vamos, levante agora

Que a vida não parou

A vida não para aqui

A luta não acabou

E nem acabará

Só quando a liberdade raiar, iêa

Só quando a liberdade raiar

Liberdade

Liberdade

Teu povo clama

Lili Dona Lili

(...)



Tão comum quanto a relação entre liberdade e memória, está a relação entre sonho e liberdade. Em Libre, música de Emicida ft. Ibeyi, as gêmeas Lisa-Kaindé e Naomi Diaz, dizem:


Abrigue-se onde o seu sonho pode correr...





E vou parando por aqui...

 






PS: Este texto foi escrito e publicado no Instagram com o propósito de sugerir maneiras de iniciar uma pesquisa. Ele serve, para mim mesma, como uma referência médio antológica sobre a temática e certamente uma segunda parte virá depois.

 




Referências mencionadas:


- Edson Gomes – Liberdade (música): https://www.letras.mus.br/edson-gomes/322653/

- Nina Simone - Liberdade é não ter medo – (vídeo)

- Clovis Moura - Dicionário da Escravidão Negra (livro) - Companhia das Letras

- Guido Liguori e Pasquali Voza - Dicionário Gramsciano (livro) - Editora Boitempo

- Beatriz Nascimento em Orí, de Rachel Gerber (1989) – (documentário) https://www.facebook.com/watch/?v=677188599155700

- Antônio Bispo - A terra dá, a terra quer (livro) - Editora UBU (apoiadora da Lab Rachadura) - Para adquirir: https://www.ubueditora.com.br/terra-da-terra-quer.html

- Dicionário Oxford

- Muniz Sodré – aula no curso Ler o Brasil, produzido pela Casa Sueli Carneiro – Saiba mais em: https://casasuelicarneiro.org.br/curso/ler-o-brasil/

 


Referências da imagem:

Fotos: Reprodução

Colagem: Lab Rachadura

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